I Encontro de Trabalho e Reflexão – Que mudanças para uma escola e sociedade verdadeiramente inclusivas?”
2017-05-03
«Nenhum pai deve desistir dos seus filhos. Devemos lutar sempre pelos direitos dos nossos filhos»
A CERCIAG realizou no dia 3 de Maio o “I Encontro de Trabalho e Reflexão – Que mudanças para uma escola e sociedade verdadeiramente inclusivas?”, que juntou meia centena de participantes.
Com esta iniciativa pretendia-se ouvir na primeira voz, alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE), pais/encarregados de educação, docentes, técnicos, autarquias e outros agentes envolvidos na área da educação especial, conhecer os problemas existentes nesta área e recolher os seus contributos.
Durante quase 3 horas sucederam-se relatos sobre as lutas que os pais travam para incluir os seus filhos, mas também algumas boas práticas de inclusão nas escolas de ensino regular.
A primeira intervenção da tarde ficou a cargo da Dra. Luísa Carvalho, Directora da CERCIAG, que reforçou a importância deste tipo de encontros: “O que hoje aqui queremos trazer é uma dimensão de reflexão sobre o sistema. Não há dúvida sobre o privilégio das lógicas inclusivas, tendo no entanto presente que, não fora o trabalho especializado e de grande proximidade que tem sido feito pelas entidades deste sector e teríamos a maior parte das pessoas com deficiência que hoje estão empregadas, em casa ou numa estrutura ocupacional, com elevados custos sociais e financeiros, quer para as pessoas e para as famílias, quer para o Estado”.
Relembrou também o papel relevante que as CERCI’s e em particular as Escolas de Ensino Especial tiveram e têm na vida dos alunos com NEE: “As CERCI’S foram pioneiras em Portugal na criação de Escolas de Educação Especial para crianças com deficiência intelectual e/ou multideficiência, rompendo com uma tradição de atendimento meramente assistencial até então predominante no nosso país".
Durante o seu discurso a Dra. Luísa salientou ainda algumas mudanças essenciais necessárias que garantam a prestação de um serviço que responda eficazmente às necessidades das crianças e jovens com NEE: “Relativamente ao modelo, é pois fundamental consolidar e ou estabilizar alguns critérios, designadamente: o da universalidade; a aprovação atempada dos planos de acção com mecanismos de gestão flexível articulados entre os Centro de Recursos para a Inclusão e os Agrupamentos de Escolas; a aprovação dos Planos de acção plurianuais, preferencialmente por ciclos de ensino, a consolidação através de normativo próprio da rede de CRI’s e do papel que estes assumem na intervenção educativa e assegurar cobertura nacional da rede de CRI´s”, destacando o facto de estas serem algumas das fragilidades do sistema.
“Sou mãe de uma menina com NEE que tem 10 anos. A minha filha foi operada a um tumor cerebral e ficou com sequelas em termos motores, mas cognitivamente não. Andou sempre um bocadinho atrás dos outros. As dificuldades têm sido muitas e continuam a ser muitas. Por várias vezes fui abordada para que a minha filha tivesse um Currículo Específico Individual (CEI). Não assino um CEI porque ela tem capacidades, tem apenas a área motora afectada, mas tem capacidades e vale a pena investir mais. Aquilo que noto é o que que os professores não sabem o que fazer. Não sabem como podem aplicar algumas medidas. Nunca devemos desistir, nunca vou desistir da minha filha. Nenhum pai deve desistir dos seus filhos. Devemos lutar sempre pelos direitos dos nossos filhos”, foi este o primeiro testemunho emocionado de um Encarregado de Educação, que prosseguiu a sua intervenção afirmando: “Espero que haja formação para os professores, porque eles também precisam de ser ajudados, com turmas grandes, muitas crianças, eles também têm que ser ajudados. E é fundamental o trabalho em equipa, entre professores, técnicos, famílias. É fundamental que exista esta rede”.
De seguida foi a vez de uma ex-aluna e actual cliente da CERCIAG falar sobre a sua realidade e demonstrar como por vezes ainda acontecem situações de exclusão: “Nunca estive numa escola normal. Nunca estive numa escola porque nunca ninguém quis assumir o trabalho e ficar comigo”.
Uma outra ex-aluna com Paralisia Cerebral, quis por sua vez partilhar um testemunho positivo de vida: “Fiz o meu percurso académico todo em Águeda sem problemas e com a ajuda que precisava. Depois fiz o meu décimo segundo ano em Coimbra, na Quinta da Conraria, conheci o meu marido e lá fiquei. Ninguém queria que eu me casasse. Hoje vivo em Águeda, ando na CERCIAG e tenho a minha própria casa”.
A primeira docente a intervir manifestou estar surpreendida com alguns testemunhos de encarregados de educação, reforçando a ideia de se ter que reflectir verdadeiramente sobre algumas questões que foram levantadas: “Não é fácil ter uma perspectiva do lado dos professores. É importante estar aqui e ouvir o desânimo dos pais. Trabalho há tanto tempo deste lado e nunca tinha percebido a dificuldade dos pais em perceber o trabalho desenvolvido e a falta de confiança do que é feito nas escolas com os seus filhos. Isto faz-me reflectir também sobre o educar. É muito complexo. Estar dentro do sistema educativo é ainda mais complexo porque nós complicamos tudo. Eu ouvi os pais e percebi isso. Efectivamente os pais têm dificuldade em compreender a resposta da escola porque para os nossos filhos nós queremos tudo e nem sempre conseguimos perceber o que está a acontecer se não for ao encontro das nossas expectativas.”.
Uma outra docente deu o seu testemunho para descrever que a actual carga burocrática e o elevado número de alunos com NEE que os docentes e técnicos têm que acompanhar, não permite que seja dado um apoio de qualidade e que responda a todas as necessidades e especificidades destes alunos. Reforçou ainda a necessidade de se simplificarem os processos e procedimentos, de forma a que se melhorem as condições de apoio a estes alunos e destacou a necessidade de os pais terem um papel mais activo na vida escolar dos seus educandos.
Já na fase final do Encontro uma mãe tomou da palavra para manifestar preocupação sobre o futuro da sua filha: “A minha filha vai ser sempre dependente… Ela neste momento está numa unidade de multideficiência. E depois disso? As instituições estão sem vagas para receber os nossos filhos”, dando conta da actual situação alarmante que vivem as organizações com Centros de Actividades Ocupacionais, que não dispõe de condições físicas e financeiras suficientes para receber mais pessoas com deficiência, sendo necessário mais investimento para alargar estas respostas.
Os testemunhos recolhidos neste encontro irão ser descritos em relatório, que será enviado ao Grupo de Trabalho de Educação Especial, criado no âmbito da Comissão Parlamentar de Educação e Ciência.
O coordenador do Centro de Recursos para a Inclusão da CERCIAG, Dr. Thomas Cravo, comunicou por fim que a CERCIAG já tem pensado um segundo encontro, onde serão desenvolvidas oficinas de trabalho específicas, destinadas a capacitar os diversos intervenientes envolvidos na vida dos alunos com NEE e a criar uma verdadeira rede de apoio a estas crianças e jovens.