As linhas de um território – Para uma prática cultural e artística diversa e acessível
Imagino sempre os territórios como um conjunto de linhas. Um conjunto de linhas que se vai organizando e ligando, em cada lugar, de forma única, estruturando as dinâmicas individuais e coletivas, definindo rituais, hábitos, percursos e encontros. Mas também imagino essas mesmas linhas permanentemente disponíveis para se moverem e traçarem novas rotas. Talvez seja importante este desejo de movimento... O movimento interno - que nos permite refletir sobre o que nos rodeia e o que acontece connosco na relação com o Mundo - e o movimento externo - que nos desafia a uma deslocação que transforme a reflexão num desejo de encontrar diversas formas de agir com e para o coletivo desse meu território.
Mas quem pode determinar o seu próprio movimento? Poderemos todos fazê-lo verdadeiramente? Talvez não.
Então como podemos tentar suplantar esse défice participativo? Essa ausência de autodeterminação? A prática cultural e artística podem desempenhar um papel estrutural nesse desafio.
Se pensarmos no ato cultural como todos os movimentos que se instalam no seio de um grupo de pessoa, ativando a relação entre si e os lugares que ocupam, chegamos à conclusão que dispomos nas nossas comunidades de um alargado novelo de linhas prontas a encontrarem os seus percursos. O mesmo tipo de pensamento poderemos ter se nos apercebermos da importância que cada identidade pode ter na produção de um bem artístico ou criativo.
Percebemos então que quanto mais diversas forem as pessoas e os seus desejos e expectativas, mais rica será essa teia/tecido cultural e criativo.
Então como podemos convocar essas pessoas, com esses desejos? Algumas delas sabemos – como escrevi mais acima – que têm autonomia, disponibilidade e predisposição para acelerar estes processos de encontro, discussão, de experiência. Outras pessoas, porem, encontram-se por razoes diversas, afastadas dessa possibilidade. É então altura de alargar, distender, esse movimento aos lugares que num primeiro olhar não surgem perante os nossos olhos. Gerar aproximação e diálogo, criar espaços seguros e de representatividade, partilhar responsabilidades e objetivos. Estruturar um lugar equitativo, que permita atribuir a cada pessoa o que ela necessita para estar presente de forma plena. E aqui o gesto cultural e artístico desafiam-nos a essa possibilidade.
Ao desejo de um movimento cultural participativo, diverso e implicado, juntamos a liberdade criativa, onde cada pessoa pode encontrar um veículo de expressão para as ideias e perceções que tem sobre o Mundo. Mas para possibilitar essa participação é necessário entender as necessidades particulares de cada pessoa, num exercício de escuta permanente, que permita gerar a acessibilidade necessária à sua participação. Mover cada linha do nosso território coletivo com o objetivo de definir um lugar feito de muita gente distinta que deseja criar uma relação próxima e íntima com o que está ao seu redor.
Uma cidade plural, com distintos lugares de perceção do Mundo, onde cada um exerce de forma plena a sua identidade, concretizando aquilo que lhe traz felicidade e bem-estar.
Talvez seja por aqui o caminho para definir essas “Linhas” que podem desenhar lugares felizes: observar, aproximar e fazer em conjunto.
Marco Paiva
Marco Paiva
Diretor Artístico Terra Amarela
Licenciado em Teatro - Formação de Atores pela Escola Superior de Teatro e Cinema.
Concluiu em 2008 o Curso Europeu de Aperfeiçoamento Teatral École Des Mêitres, dirigido pelo encenador brasileiro Enrique Diaz (CIA dos Atores).
PÓS GRADUAÇÃO em Empreendedorismo e Estudos da Cultura – Ramo de Gestão
Cultural, no ISCTE.
Colabora como ator, encenador e mediador, com diversas organizações culturais e estruturas de criação artística nacionais e internacionais.
Colaborou com o projeto Crinabel Teatro desde 2000, assumindo as responsabilidades da coordenação artística entre 2008 e 2021.
Faz cinema e televisão.
Fundou em 2018 a TERRA AMARELA – Plataforma de Criação Artística Inclusiva, que desenvolve o seu trabalho em torno da cultura acessível e das práticas artísticas
inclusivas.
É desde 2023 professor assistente convidado na Escola Superior de Teatro e Cinema, coordenando a unidade curricular Práticas Artísticas Inclusivas.